quinta-feira, 22 de outubro de 2020

Sou Gago e então?

Chamo-me Hélder Silva, tenho 24 anos, sou da Póvoa de Varzim (...). Sou gago desde que me conheço como gente. Tenho história familiar, a minha mãe também gagueja e nunca se falou muito deste assunto cá em casa. Desde pequeno tenho memórias de colegas a gozarem comigo pela gaguez, tanto nos recreios como em plena aula de leitura. A professora primária sempre me forçou a ler, e sempre que lia ouvia risos, comentários e ficava cada vez mais nervoso e mais nervoso ao ponto de chorar de nervos. Ao longo do tempo, isso passou para a auto-estima, a sentir-me inferior aos outros por este problema.
Passei para o 5ºano, escola nova, colegas/amigos e professores novos. O problema com a gaguez manteve-se dentro da sala de aula mas cá fora, ia-se dissipando lentamente. Talvez porque conhecesse outras crianças que se calhar não ligavam tanto à diferença. Nesta altura era aluno mediano, tirava 3 e 4 como qualquer aluno, piorava a português e inglês porque se tinha de falar e ler em público. Fora da sala de aula era considerado um pinga-amor, todas as raparigas gostavam de mim, possivelmente porque era mais sensível e fui obrigado a crescer mais rápido que qualquer miúdo daquela idade.
Do 5º ao 9ºano foi um pulo, cresci sempre com o preconceito de falar em público ou à frente de alguém com autoridade porque gaguejava bastante ou nem falava sequer de tão nervoso que estava. No meio destes anos, pratiquei diversos desportos, futebol, natação, andebol, basquetebol e ténis. Sempre fui um rapaz de "socializar" e dava-me bem com toda a gente mas falar em público ou admitir que era gago fazia e faz grande confusão.
Chegou o secundário, onde tinha de apresentar trabalhos aos quais até aqui tinha-me esquivado a praticamente todos. Novamente novas turmas, nova adaptação aos colegas e voltar admitir que sou gago e na aula da apresentação fazia um enorme esforço para dizer o meu nome apenas, tal era a ansiedade, o estar a contar quantos faltam para chegar a mim, o nervosismo que se apoderava do meu corpo(...)
Contudo, no meio de tanta coisa, tanto preconceito tanto dos professores como boa parte dos colegas, criei defesas. Não defesas como uma armadura que não deixava penetrar ninguém mas defesas em termos de indiferença, deixei de ligar ao "olha o gago", ao apontar do dedo quando passava na rua, e fui construindo uma vida para além da sala de aula, fui vice-campeão regional e distrital de ténis, tenho medalhas de futebol e basquetebol em diferentes escalões, socializei sempre com os meus verdadeiros amigos, fui desinibindo-me aos longo dos tempos, criei objectivos de vida, lutei por tudo que achava que era certo!(...)
Cheguei à faculdade, onde tirei análises clínicas e Saúde Pública, e mais uma vez, trabalhos sucessivos, novo público! (...) Apesar de todos os contratempos acabei o curso com média de 16 com muito orgulho e considerado dos um dos mais promissores pupilos a sair naquele ano.
Durante a procura de trabalho vi ofertas recusadas por ser gago e ouvi literalmente "Você é gago??!! vá se tratar pah!!!".(...) Fiz das tripas coração, enfrentei pessoas que não conhecia, vi as piores caras a olhar para mim, ouvi comentários "de você é mesmo gago", pessoas riram-se literalmente na minha cara, liguei a pessoas a gaguejar bastante mas CONSEGUI!! 
Recentemente também me inscrevi em mestrado, mais uma vez tive de apresentar trabalhos! Pela 1ª vez na vida, gaguejei como tudo, (…) mas conclui sozinho uma apresentação feita por mim em mestrado! Foi o dia mais glorioso e mais fantástico da minha vida! Consegui ultrapassar o meu medo, para um público pequeno e em silêncio consegui expressar-me! Se me perguntarem continuo a ter medo? Sim continuo! Se pretendo desistir? Não, não pretendo!(...)
Temos objectivos de vida, sermos boas pessoas, sociáveis, sermos bons naquilo que fazemos só depende de nós (gagos ou não) tanto na vida profissional como pessoal!
Sou sincero que muitas vezes a gaguez faz-me faltar a confiança, faz pensar que posso não ser capaz quando no fundo sei que sim, mas persistir e lutar a cada dia e conquistar as pequenas grandes vitórias é importante! Falar ao telefone, falar em público, admitir que somos gagos é difícil e custa, mas temos de lutar e tentar ultrapassar as barreiras. O filme discurso do Rei é um óptimo exemplo disso e muitas vezes emociono ao vê-lo.
Quando se quer tudo é possível!
(in http://www.gaguez-apg.com/index.php/testemunho/58-testemunho-helder-silva)
No testemunho do Hélder, assim como em muitos outros que podes encontrar no site da Associação Portuguesa de Gagos (APG), estão presentes inúmeras expressões que contribuem para que quem tenha gaguez se sinta "diminuído, com baixa auto-estima e falta de confiança". 

Por isso, hoje trazemos-te aqui alguns MITOS associados à gaguez, confiantes de que te estamos a dotar de conhecimento... para que não sejas mais um (a) a contribuir para falsos conceitos!!


A Gaguez tem cura 

Atualmente, sabe-se que a Gaguez não tem cura. O Terapeuta da Fala é o profissional especializado capaz de avaliar e definir um plano de intervenção ajustado às necessidades da pessoa que gagueja e da sua família. Assim, a pessoa pode conhecer e implementar as estratégias aprendidas, melhorando a sua fala.
A Gaguez desaparece com a idade
A Gaguez não desaparece com a idade. Pode tornar-se mais evidente, com manifestações mais severas em termos de fala. Neste sentido, a procura de um profissional especializado para avaliação e intervenção, deve ser realizada o mais precocemente possível. 

Pessoas que gaguejam são menos inteligentes
Pessoas que são disfluentes, são tão inteligentes como pessoas fluentes, não havendo qualquer tipo de relação entre ambas.
Ajuda dizer à pessoa que gagueja: “respira fundo”, “pensa antes de falar”
Estes conselhos apenas deixam a pessoa ainda mais consciente do seu problema, podendo, até mesmo, agravar a gaguez. Respostas mais adequadas incluem ouvir pacientemente e dar o exemplo, falando de forma pausada e clara.

A criança, o jovem, o adulto se quiser pode falar sem disfluências, se se esforçar
A gaguez não se trata de comportamento(s) voluntário(s) que a pessoa consegue controlar. Como tal, mesmo que queira não vai conseguir evitar a gaguez. 

Podemos curar a gaguez de uma criança se de algum modo formos combativos e não permitirmos que ela fale com disfluências
Como já vimos, a Gaguez é uma perturbação involuntária. Assim, a pessoa com Gaguez não tem controlo voluntário e completo sobre a sua fala. Importa salientar que, a força de vontade será um elemento facilitador e determinante no sucesso da intervenção.
Gaguez tal como apareceu sozinha, desaparece sozinha
Não é nada provável que a gaguez desapareça após persistir mais de um ano, na adolescência ou no adulto.

O melhor é ignorar o facto que a pessoa tem uma gaguez
Fazer de conta que algo não existe, só valoriza a situação até não ser possível mais ignora-la.No entanto, no caso de uma criança, não devemos falar sobre “gaguez” se esta não tiver a perceção que gagueja, porque poderá agravar o problema e piorar o prognóstico.

Pessoas que gaguejam são nervosas, tímidas, inseguras, stressadas entre outros
Algumas pessoas que gaguejam podem ser tão nervosas, tímidas, inseguras, stressadas, tal como pessoas que não gaguejam. Do mesmo modo que pessoas que gaguejam podem ser extrovertidas e tagarelas como qualquer outra pessoa. Não existe uma relação direta.

O stress provoca gaguez
Nem a ansiedade, nem o nervosismo são as causas da gaguez mas, certamente podem agravá-la.

Um susto pode ser a causa da gaguez
De acordo com vários estudos científicos recentes, a causa da Gaguez não é provocada por um susto. As causas são multifatoriais, ou seja, derivam de um conjunto de fatores, sendo a predisposição genética um dos fatores que mais contribui para aquisição da Gaguez. Por outras palavras, as pessoas que tenham familiares com Gaguez têm mais predisposição para ter Gaguez.    

A criança apresenta características de gaguez devido a rigidez parental
A exigência comunicativa por parte dos pais não pode ser considerada a causa da Gaguez. No entanto, este fator pode influenciar o agravamento da Gaguez, principalmente, perante pais demasiado exigentes em termos de linguagem; pais superprotetores….  Os pais devem ser modelos de “bons falantes” utilizando um discurso coerente e eloquente, sem pressas ou demasiadas exigências, sendo os modelos de fala dos seus filhos.
Podemos passar a ser uma pessoa que gagueja porque “apanhamos de alguém” e/ou “aprendemos com alguém”
A gaguez não se “apanha”, não é contagiosa! Ainda não se sabem as causas exactas da gaguez, no entanto estudos indicam que a história familiar (genética) e o desenvolvimento neuromuscular, em interação com diversos fatores do meio, têm um papel importante no aparecimento da gaguez.

Quem gagueja fá-lo porque pensa mais rápido do que fala.

A velocidade do pensamento é sempre superior à velocidade da fala, em todas as pessoas. Esta não pode ser considerada uma causa para a gaguez.


Por exemplo, ao presenciarmos uma briga, o nosso pensamento rapidamente deteta que a situação em questão é uma briga, percebemos quase que instantaneamente o local em que se passa e as pessoas envolvidas. Mas, por outro lado, se tivermos que falar sobre o que presenciamos, necessitaremos de um tempo muito maior para fazer isso. 

Pessoas com gaguez nunca gaguejam a cantar ou quando representam um personagem no teatro. 


A maior parte das pessoas com gaguez realmente não gagueja quando canta. Entretanto, algumas pessoas com gaguez podem enfrentar dificuldades para iniciar o canto, outras podem gaguejar apenas quando cantam músicas de ritmo quase falado (como o rap, por exemplo) e outras ainda podem gaguejar no canto da mesma forma que gaguejam quando falam. Da mesma forma, boa parte das pessoas com gaguez não gagueja quando representa um personagem no teatro. 


A explicação para a ausência da gaguez durante o canto ou a representação de um personagem está em como o cérebro processa estas formas de expressão verbal: ambas tendem a ser processadas pelo sistema pré-motor lateral, que tende a estar preservado nas pessoas que gaguejam. 
Bibliografia:
http://www.gaguez-apg.com/index.php/gaguez/mitos-sobre-a-gaguez
http://www.trofasaude.pt/noticias-e-eventos/noticias/gaguez-desvendando-os-seus-mitos-1/

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